UMA PRIMEIRA VEZ PARA NÃO ESQUECER
A festa da democracia também traz sujeira: a propaganda política tomou conta da capital federal na primeira votação direta em Brasília
Há 25 anos, quase 840 mil pessoas ajudaram a escrever a história política do Distrito Federal. Elas participaram da primeira eleição direta de Brasília e viveram ativamente a conquista da autonomia da capital
Em 1990, os eleitores escolheram o primeiro governador da cidade e elegeram os distritais da recém-criada Câmara Legislativa. A autonomia, assegurada pela Constituição Federal, foi o triunfo de uma geração que brigou para escolher seus representantes. A primeira eleição direta do DF foi realizada em uma quarta-feira. Participaram da disputa quatro candidatos ao governo, seis ao Senado, 122 a deputado federal e 406 concorrentes ao cargo de distrital. Integrantes de 28 partidos estavam representados na corrida eleitoral e exatos 839.659 eleitores ajudaram a definir os rumos do DF. À época, o Tribunal Regional Eleitoral imprimiu um número 40% maior de cédulas a fim de resolver imprevistos nas seções. Quase 25 mil pessoas, entre mesários, fiscais e policiais, trabalharam para garantir a realização das eleições.
Apuração dos votos em ginásio da cidade: contagem demorou quatro dias para ser feita, com quase 840 mil eleitores no Distrito FederalO cenário de 1990 lembra a realidade atual da política brasiliense. Na primeira corrida ao Palácio do Buriti, um candidato petista apoiado por Luiz Inácio Lula da Silva disputou o mandato com Joaquim Roriz, à época já um importante chefe da política do DF. Ele estava à frente do Executivo desde 1988, quando assumiu o comando da cidade por indicação do então presidente José Sarney. Vice-governador de Goiás e interventor em Goiânia, Roriz articulou durante meses a nomeação para o governo do DF. Visitou senadores, gabinetes de autoridades.
Em 1988, o então deputado federal Jofran Frejat criticou a indicação. À época, ele afirmou que a escolha era “uma bofetada” na bancada do Distrito Federal. Um grupo se mobilizou em defesa do nome do senador Alexandre Costa (PFL-MA). Maria de Lourdes Abadia, que também representava o DF na Câmara dos Deputados, se opôs ao nome de Roriz e articulou a derrubada da indicação no Senado.
A Polícia Federal monitorou comícios e investigou a possibilidade de um atentado contra Joaquim Roriz durante a campanha de 1990
Em setembro de 1988, o Senado Federal aprovou a indicação de Joaquim Roriz, por 33 votos a favor e 14 contra. Entre os senadores que se opuseram à nomeação estavam Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Jorge Bornhausen. Roriz tomou posse como governador biônico quatro dias depois da aprovação no Senado. “Vou adequar o estilo utilizado por mim na Prefeitura de Goiânia à realidade da capital. Lá deu muito certo”, declarou à época.
Fama
Os 18 meses que passou como governador indireto deram a popularidade necessária a Joaquim Roriz. Ele se fortaleceu politicamente com a execução de programas de criação de assentamentos habitacionais e ganhou fama entre a população mais carente. Em 1990, surpreendeu ao assumir o Ministério da Agricultura do então presidente Fernando Collor. Ele se afastou do Palácio do Buriti e passou o cargo para o vice, Wanderley Vallim, a fim de integrar o primeiro escalão da República. Mas o distanciamento da cena local durou pouco: 15 dias depois, Roriz pediu demissão da pasta e anunciou que concorreria ao GDF.
Ele disputou as eleições de 1990 com Carlos Saraiva e Saraiva (PT), Maurício Correa (PDT) e Elmo Serejo (PL) — esse último também já havia sido governador biônico. O PT saiu rachado na disputa. O arquiteto Orlando Cariello era um dos cotados para representar a legenda, mas o médico Carlos Saraiva e Saraiva acabou escolhido como candidato petista. Arlete Sampaio saiu como vice.
O médico teve apoio de petistas importantes até hoje no cenário político, como Chico Vigilante e Geraldo Magela. O então presidente nacional do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, participou da campanha de Saraiva e, em entrevista à época, minimizou o fato de o petista ter um tempo muito inferior de propaganda na televisão. “Não me preocupa que o Roriz possa usar mais de 80 minutos. Mais valem 5 minutos bem trabalhados do que uma hora de programa que só faz cansar o eleitor”, declarou Lula, em 1990.
O então senador Maurício Corrêa reuniu outras forças de esquerda para disputar o Palácio do Buriti. A Frente Popular Brasília, com apoio de partidos como PCdoB, PCB, PDT, PSB e PV, lançou a chapa com forte discurso de oposição ao então presidente Fernando Collor. Corrêa ganhou espaço político no DF depois de comandar a Ordem dos Advogados do Brasil.
Reviravolta
Roriz liderava a corrida, com mais de 55% das intenções de voto, quando o deputado federal e então presidente regional do PSDB, Sigmaringa Seixas, pediu a impugnação da candidatura do ex-governador. O argumento era de que Roriz estava concorrendo à reeleição — o que, à época, era vedado pela Constituição. “Ninguém fez nada por medo. Mas eu não podia ficar calado e ver a Constituição que eu ajudei criar ser violada”, justificou Sigmaringa.
Enquanto o processo tramitou na Justiça Eleitoral, Roriz ficou sem tempo de tevê e não participou dos debates. Foram 13 dias “de exílio”, como ele classificou na ocasião. Aliados chegaram a cogitar a substituição de Roriz por Valmir Campello. Mas os advogados da coligação ganharam no Tribunal Superior Eleitoral, com o argumento de que “autoridade nomeada não é irreelegível justamente porque não foi eleita antes”. Opositores rasgaram exemplares da Constituição em frente ao TSE. Questionado se ficara magoado, Roriz respondeu: “Brasília está acima dessas questiúnculas”.
Liberada pela Justiça, a candidatura ganhou força. Partidos que apoiavam rivais passaram para o lado de Roriz. Até mesmo brizolistas abandonaram a campanha do pedetista Maurício Corrêa para apoiar o favorito. À medida que a campanha de Roriz crescia, intensificavam-se também os ataques. Elmo Serejo, que governou o DF entre 1974 e 1979, era candidato pelo PL e fez duras críticas na tevê. Resultado: a Justiça Eleitoral tirou do ar seu programa.
Em 3 de outubro, os brasilienses foram às urnas, mas o resultado oficial só saiu cinco dias depois. Joaquim Roriz teve 366 mil votos (55,4%) e foi eleito no primeiro turno. “Governar é estabelecer prioridades depois de ouvir o povo. Se populismo for ajudar o povo, sou populista”, declarou o escolhido dos brasilienses.
Fonte: Helena Mader – Correio Braziliense – Foto: Isaac Amorim/CB/D.A.Press – Ivaldo Cavalcanti/CB/D.A.Press – Wanderlei Pozzembom/CB/D.A.Press