quarta-feira, 27 de novembro de 2013

PARA ONDE VAI ESSE AVIÃO?

Brasília recebeu, nas últimas semanas, um presente de Grego. O que você esperaria de um projeto que se chama PPcub (Plano Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília Que se ocupasse do que o seu nome designa. Mas é precisamente o contrário; é um cavalo  Troia. Quando tiramos a embalagem, percebemos que, a pretexto de criar regras para ordenar a preservação, ele sai alterando. É um plano para desvirtuar, desfigura e desfundar Brasília

Recapitulemos algumas propostas da versão original do plano: 1)o loteamento da porção oeste do Eixo Monumental, entre a Praça do Cruzeiro e a Epia, permitindo o uso até de centros de treinamento (modificado); 2) a criação da 901 Norte (modificado, só será permitida a construção de prédios para servir à área cultural); 3) a privatização, por meio de concessão pública, de lotes da unidade de vizinhança destinados a escolas e a equipamentos públicos dentro das superquadras e nas entrequadras do Plano Piloto, no Sudoeste e no Cruzeiro (retirado); 4) a quadra 500 do Sudoeste (retirado); a criação de um setor habitacional atrás da antiga Rodoferroviária para prédios com até seis andares (retirado); 5) a transformação de clubes em hotéis na orla do Lago Paranoá (retirado).


O Ministério Público barrou o processo e, graças à reação de arquitetos e de urbanistas, vários pontos foram modificados ou retirados. No entanto, as ameaças permanecem vivas, pois o plano tem 150 páginas e um cipoal de mais de 300 planilhas, onde mora o perigo. Somente o fato de os citados ítens serem incluídos em uma lei de preservação já indica o grau de compromisso com as ideias que nortearam a criação de Brasília e lhe deram o título de Patrimônio Cultural e Histórico da Humanidade. Nos espaços vazios, projetados por Lucio Costa, criando a paisagem da cidade espacial, com suas escalas em harmonia, que conferem singularidade à capital modernista, só vislumbram mais chances de predar.

Em face da situação, teóricos do urbanismo têm formulado os conceitos de cidade-empresa, cidade-negócio, cidade-oportunidade, concebidas para atropelar as leis de ordenação urbana a qualquer preço. Em benefício de quem? De meia dúzia de espertos. Por isso, as cidades estão cada vez mais caóticas, desorganizadas, inseguras e violentas.

Amigos que viajam para as grandes capitais brasileiras comentam o estado insustentável em que se encontram e louvam cada vez mais a qualidade de vida de Brasília, apesar de todos os problemas. É obra do plano urbanístico de Lucio Costa. O PPCub vem para desvirtuar essas virtudes em uma só canetada.

Essa é a mais grave ameaça que o traçado urbanístico de Brasília já sofreu ao longo da história. Seria muito bom se transferissem essa urgência e açodamento em votar o plano da desfundação de Brasília para projetos de maior interesse público: melhorar o transporte urbano, as ciclovias, a educação, as condições dos hospitais, a qualidade do atendimento aos pacientes e a segurança. Falta, sobretudo, amor e compromisso com Brasília. Como diz Noel Rosa no Samba do positivismo: “O amor vem por princípio/A ordem por base/O progresso é que deve vir por fim”.


Por Severino Francisco - Cronica da Cidade - Correio Braziliense - Oficial, Publicação: 27/11/2013 


Nenhum comentário: