Do Correioweb:
Quando traçou o projeto da capital, Lucio Costa idealizou um lugar capaz de oferecer um novo modo de vida aos brasileiros e de atender todas as necessidades da população, desde o trabalho formal às manifestações intelectuais. No relatório do Plano Piloto, ele definiu que Brasília seria “capaz de tornar-se, com o tempo, além de centro de governo e administração, um foco de cultura dos mais lúcidos e sensíveis do país”. Depois de 51 anos, as transformações, de fato, vieram. Muitas delas, no entanto, colocam em risco a preservação das características da cidade.
Nem os decretos que regulam o tombamento, nem mesmo o título de Patrimônio Cultural da Humanidade conferido pela Unesco conseguem impedir as agressões à cidade. Além das Asas Sul e Norte, a área protegida inclui o Cruzeiro, o Sudoeste, a Octogonal, a Candangolândia e as vilas Planalto e Telebrasília. Os problemas que atingem a área foram listados no Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB), documento que a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Sedhab) elabora com o objetivo de ordenar a ocupação dos espaços da capital.
Segundo o levantamento do órgão, as principais agressões se referem à deturpação do conceito original da cidade. Idealizados como espaços de livre circulação das pessoas, os pilotis de muitos blocos das superquadras estão fechados por grades, vidros ou cercas vivas. Mesmo após o aperto da fiscalização, pousadas e pensões funcionam nas áreas residenciais destinadas às casas das quadras 700. Em alguns pontos, o acesso às margens do Lago Paranoá está impedido. Além disso, de acordo com a Sedhab, mudanças na legislação, feitas na década de 1990, permitiram a construção de flats na orla.
Com tantas mudanças no plano original, a memória da construção da cidade se perdeu. Na Vila Planalto, antigo reduto de operários, as casas de madeira desaparecem. Agora, surgem os prédios de quitinetes, proibidos por lei. Na Candangolândia, onde moraram e moram muitos pioneiros, a situação é a mesma. A coordenadora técnica do PPCUB, Lídia Botelho, explica que o plano diretor foi elaborado com base na mesma metodologia adotada para regular construções fora da área tombada. “Foram vedadas apenas as atividades incômodas e a cidade ficou condicionada a mecanismos como poluição sonora. Isso deu o impulso para a Candangolândia se verticalizar”, detalha.
Interpretação simplória
Algumas interferências no Plano Piloto estão próximas da legalização. Os puxadinhos nos comércios da Asa Sul, por exemplo, estão em processo de regularização. O cercamento dos prédios do Cruzeiro Novo já tem o amparo da lei. As grades nas casas das quadras 700, segundo a Sedhab, não estavam no projeto original. No entanto, o secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Geraldo Magela, explica que as cercas surgiram antes mesmo do tombamento e admite não ser mais possível retirá-las.
Os especialistas criticam as alternativas elaboradas para contornar problemas como o dos puxadinhos e das grades ao redor dos prédios do Cruzeiro Novo. “Foram encontradas soluções nada inteligentes. Elas são fruto de uma maneira simplória de interpretar o patrimônio e refletem a falta de um debate mais elaborado”, defende o presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil no DF (IAB-DF), Paulo Henrique Paranhos. Ele acredita que a sociedade precisa participar das discussões sobre o assunto.
As alterações que a cidade tem sofrido também são alvo de críticas. O urbanista Frederico Flósculo, professor da Universidade de Brasília (UnB), diz que falta conhecimento por parte da população, dos empresários e dos gestores públicos. “Ninguém preserva aquilo que não compreende. Há vários casos de invasão em área pública que simplesmente não são corrigidos. O PPCUB é apenas um paliativo”, acredita. Para ele, os maiores problemas são as intervenções na orla do Lago Paranoá e a mudança de destinação de alguns setores da cidade.